Para mim, um dia de surf perfeito nem sempre se resume a pegar a onda, ou as ondas da vida. Eu vivenciei isso na Praia do Tombo, Guarujá. Saí do mar em êxtase, tão ou até mais feliz do que quando peguei uma onda linda de mais de um metrão em Tijucopava, uma outra praia da mesma cidade no litoral de São Paulo.
E eu vou contar o porquê. Primeiramente, eu preciso explicar
para quem não conhece a praia do Tombo ou para quem é iniciante no surf como é
esse pico. As ondas lá são mais desafiadoras, te exigem um drop bem encaixado e
a potência pode assustar quem não tem o costume de surfar.
Por isso, quando me mudei para São Paulo e comecei a
pesquisar sobre os locais onde poderia pegar minhas primeiras ondas sozinha já
coloquei o Tombo na listinha dos picos para intermediários e avançados. Eu
nunca fiz aula ali, mas só me arriscava a entrar quando o mar estava com
tamanho confortável para mim, ou seja, meio metrinho. kkkk
Só que recentemente eu decidi que quero me tornar uma big rider. Não ri, hein?! Eu sei que pode parecer uma meta muito ousada para alguns, mas não para mim. Tem uma frase da Bethany Hamilton que tem sido meu mantra há alguns anos: I don’t need easy, I just need possible. / Eu não preciso que seja fácil, apenas possível.
E quando eu falo big rider, gente eu não quero dizer ondas
de 20 metros não. Eu me refiro a ondas de 2, 3 no máximo 5 metros. Para uma
mulher que começou a surfar aos 28 anos, pegar uma onda desse tamanho não vai
ser incrível? Bom, se você não acha, eu acho! Hahaha
Então, o confortável meio metrinho não é compatível
com essa meta, concordam? Se eu quero ir mais longe, eu preciso me
desafiar. É claro que eu não incito
ninguém a ser irresponsável, a arriscar a própria vida. Eu não faço isso e não
quero que ninguém faça. Para atingir o meu objetivo eu tenho treinado bastante,
não só o meu corpo, mas a minha mente também.
“Tá Marcela, volta para a praia do Tombo e aquela
história de um dia de surf perfeito, por favor?”
Eu sou uma escritora tão legal que te poupo vocês de alguns trabalhos, né? Rs Bem gente, nesse dia quando cheguei à praia do Tombo com duas amigas e vimos que o mar estava bem fora do meu confortável, eu falei “vambora! É aqui mesmo!”. Dei uma nova conferida no Surfguru para ver o tamanho da roubada que eu estava me enfiando e me deparei com um número que me deu um frio na barriga: 600 joules. Essa era a potência das ondas no Tombo.
Eu estou acostumada a surfar ondas com uma potência de até 500 joules. A altura era 1 metro. Olha o desconfortável me convidando aí de novo! Bora, big rider!
O PRIMEIRO PERRENGUE
Entramos duas vezes. Na primeira fui com a minha pranchinha.
Estava chovendo e fazendo um friozinho, então achei melhor ir de longjohn, algo
que me arrependi no momento em que cheguei ao outsite. Toda esbaforida de tanto
remar e tomar onda na cabeça. Depois de uma hora lá fora tentando pegar aquelas
ondas lindas e perfeitas que abriam no canto direito e puxando o bico por medo,
a gente resolveu sair para tirar a roupa de borracha. Aquela altura já fazia
sol e a gente estava morrendo de calor.
Foi quando eu tomei uma onda que fez uma enorme rachadura de
ponta a ponta bem no meio da minha prancha. Perda total. Um surfista que estava
sentado com sua prancha no colo no calçadão e me viu saindo com a prancha
rachada me prestou as condolências. Kkkk E eu respondi a ele que estava feliz e
grata por ter sido com a prancha e não comigo. A minha outra amiga me emprestou
o funboard dela e voltei para a água. Dessa vez, um pouco mais ousada. Quis
entrar pelo meio, e não pela vala do cantinho.
Fiquei quase meia hora “apanhando” e nada de atravessar a
arrebentação. Mas eu vi que tinha alguns momentos de calmaria. Eles eram
breves, mas tinha. “Raciocina, Marcela. Raciocina!” A minha estratégia
foi localizar onde aparecia aquela vala, avançar o máximo que podia e dar o gás
na breve calmaria. Voilá! Varei a arrebentação ‘invarável’ com o pranchão. Hahaha
Quando eu cheguei lá fora eu tive a mesmíssima sensação de
ter pego a onda da vida! A mesma, gente! Foi foda! Me perdoem o palavrão, mas é
isso! Eu me senti foda. Voltei para o cantinho direito, onde tinha um certo
crowd.
As ondas estavam lindas. Eu via os caras descendo quase que
em câmera lenta. Só o fato de eu estar ali era um verdadeiro espetáculo para
mim. Detalhe, eu sou canceriana com ascendente em sagitário, então eu sempre
vou dramatizar e tudo sempre vai ser uma grande aventura! rs
Tentei remar em algumas ondas, mas o medo me travou. Eu
tenho remada, eu tenho drop rápido, eu tenho apneia. Que medo é esse? Preciso
me libertar! Sei que estou no caminho certo e uma hora vai acontecer.
O SEGUNDO PERRENGUE
Eu estava surfando com o funboard da minha amiga e mesmo que
eu quisesse muito não conseguiria dar um joelhinho / golfinho (furar a onda)
com ela. Veio uma série e ao perceber que eu seria varrida, remei forte e
quando ela ia quebrar eu soltei e mergulhei bem fundo. Sabem qual é o resultado
da soma ‘prancha pesada’ + ‘onda potente’ + ‘estar com a prancha emprestada da
sua amiga’ + ‘Lei de Murphy’? Leash arrebentado.
Bem na hora da série. Foi demais! Pude colocar em prática todos as técnicas que aprendi no curso do Christian Dekequer “Controle-se no perrengue.” Esperei a série passar, controlando a minha respiração e procurando manter a calma, e então abordei o surfista que estava mais próximo a mim.
Ele imediatamente se prontificou a buscar a minha prancha e
ainda por cima me ofereceu a dele. Um verdadeiro anjo, né? Eu, que já estava
bem cansada aceitei. Uns minutos depois ele voltou com o funboard da minha
amiga e me ofereceu o leash dele emprestado.
“Surfa com o meu leash, que eu surfo sem. Quando você
estiver saindo, me devolve”, ele disse. Mas bem na hora em que estávamos
fazendo a troca, fomos varridos por uma nova onda e dessa vez nós dois ficamos
sem prancha. Ele então foi nadando em direção à areia apara resgatar as
pranchas e eu fiquei mais uma vez à deriva no outside.
Um bodyboarder se aproximou e me ofereceu ajuda para sair.
Eu confesso que estava até gostando de tomar aquelas ondas na cabeça, mas não
queria abusar. Com o mar não se brinca. Sempre que a gente está confiante
demais alguma merda acontece. Eu já estava no meio do perrengue, para que mais?
“É hoje que eu viro bodyboarder então!” falei enquanto me agarrava à prancha do rapaz. Eu diria que foi um resgate super bem-sucedido e muito divertido! Tomamos umas ondas na cabeça bem pertinho da praia para dar aquela adrenalina final e ele ficou preocupado.
“Você está bem?” ele me perguntou. E eu respondi
rindo que estava adorando aquilo ali e que meu maior sonho era ser big rider.
“Muito bem então. Já treinou bastante o seu pulmão hoje!”
disse ele.
Moral da história minha gente, um dia perfeito de surf não
se resume a pegar a onda ou as ondas da vida. Um dia perfeito também pode ser
aquele que você se superou ou se divertiu ou conheceu pessoas incríveis ou,
melhor ainda, fez tudo isso junto!