Em entrevista ao Blog Esporte Fino, a fotógrafa fala sobre seu trabalho mais recente na temida laje do ES com ondas de até 4 metros e conta um pouco de sua trajetória na fotografia de surf
Eu estava olhando as notícias na home da Globo.com quando vi a matéria em destaque na editoria esportiva sobre a Avalanche Capixaba (clique aqui para ver a matéria). Mais uma vez uns caras muito doidos tinham ido se aventurar nas ondas gigantes que quebram a alguns quilômetros da costa de Vila Velha, no Espírito Santo.
Entre os surfistas estavam Caio Vaz, Lucas Medeiros e Gabriel Sampaio. No meio de vários homens, uma presença feminina: a fotógrafa Ana Catarina, que registrou tudo. Afrontosa ela! Eu acompanho (e admiro demais) o trabalho dela há tempos pelo Instagram e fiquei com vontade de entrevistá-la para o Blog Esporte Fino. Quem é essa mulher brabíssima que fotografa aquelas bombas? Qual a trajetória, como ela foi parar ali? Conheçam agora e inspirem-se com a história da Ana Catarina:
EF: Ainda não vi mulheres surfando a Avalanche Capixaba. Não conheço também nenhuma outra fotógrafa que tenha registrado isso. Eu me considero uma das “militantes” do fortalecimento da presença feminina nos esportes radicais, especialmente o surf. Fico muito feliz quando as vejo se destacando e até me arrepiei quando li seu nome nas legendas das fotos na Globo.com. Me conta, havia outras mulheres lá com você? Se não tinha ou se eram poucas, como foi estar lá, sendo a única mulher? Ou na adrenalina você nem pensou nisso?
AC: Não tinha nenhuma mulher no mar nessas duas
sessões específicas. Foi a segunda vez que fotografei a Avalanche, sendo a
primeira bem frustrante. Quando estou ali fotografando, fico bem concentrada no
que estou fazendo, mas quando saio da água me cai a ficha de que não tinha
outra mulher por perto. É um misto de sentimentos: acho legal de alguma forma
mostrar para outras mulheres que existe esse espaço e que temos potencial para
estar ali! Por outro lado, eu queria ter outra mulher me acompanhando em algumas
situações. Acho que uma mulher puxa o nível da outra e às vezes comparar a
minha performance com outro homem me deixa um pouco sem referencial se é
possível ou não eu estar ali.
EF: O seu trabalho com certeza influencia muitas meninas e mulheres que querem seguir o caminho da fotografia aquática. Fala um pouco sobre a sua trajetória? Como você chegou até aqui? Quero saber do surf e da fotografia, tá? Rs
AC: Trabalhei por 12 anos como concursada numa
empresa do governo. Durante esse período, quis aprender o básico da fotografia
só pra tirar umas fotos melhores nas minhas férias. Gostei e fui me
aperfeiçoando, mas só pensando que era um hobby, não via como uma forma
rentável. Tenho uma relação com esporte e com o mar desde criança. Tinha
vontade de colocar a câmera na água mas nem o nome da caixa estanque eu
sabia! Em 2013, descobri que um dos maiores fotógrafos de surf no Brasil,
Sebastian Rojas, dava workshop. Me aventurei! Quando me vi na água,
fotografando, participando tão de pertinho do surf, tive um dos momentos mais
felizes da minha vida. Logo que o workshop terminou, Sebá disse: continua,
porque quase não tem mulher no Brasil fazendo isso! Foi um super estímulo.
Desde então me dediquei muito à fotografia de surf, não conhecia ninguém do
surf, ia na cara e na coragem todo dia fotografar antes de entrar às 9h na
Eletrobras. Até 2018 fiz isso paralelamente, quando decidi largar o emprego e
viver um sonho que não faria sentido ser vivido aos 60 anos. E cá estou! Nem em
tempos de pandemia, me arrependi. Amo o que faço e por vezes me pego pensando
que não preciso de férias, eu faria exatamente a mesma coisa: viajaria pra um
lugar de praia, levaria a câmera e passaria meus dias fotografando.
EF: Você viaja o mundo fotografando os mais respeitados atletas do mundo do surf e conhece lugares paradisíacos. Consegue me dizer qual foi a experiência mais especial que você teve?
AC: Sem sombra de dúvidas a experiência mais
incrível e engrandecedora que tive foi passar dois meses em Nazaré, Portugal.
Acompanhei os irmãos Vaz durante uma parte da temporada e não só pude
registrá-los, como me conectar com pessoas que me inspiram e entender um pouco
mais sobre o quanto sou capaz. Nazaré é palco das maiores ondas do mundo. Em
dias maiores, entrava na água de jetski, mas mesmo assim me desafiei
bastante.
EF: Nós mulheres estamos conquistando nosso espaço no mundo dos esportes radicais. Mas a gente ainda tem que lidar com situações desagradáveis, como o preconceito. Só que a gente só não está mais presente em certos espaços por uma desvantagem histórica e não porque não somos capazes. Você já passou por alguma situação em que se sentiu diminuída por ser mulher? Se sim, como você lida?
AC: Nunca
passei por alguma situação que ficasse explícito que estava sendo subestimada
pelo gênero. Ou se teve, não percebi! Sei que no meio do surf os homens
predominam ainda, mas percebo que estamos ocupando um espaço cada vez maior e
mais forte. Acho que, no meu caso, a melhor forma de responder a qualquer tipo
de preconceito é com imagens. Acredito muito nisso e não costumo levar pro
pessoal. Em Nazaré, por exemplo, ninguém conhecia nem a mim, tampouco meu
trabalho. Na primeira oportunidade que tive de ir pra água no jet, me esforcei
muito pra fazer as fotos da minha vida. Com o passar dos dias, mais oportunidades
de ir pra água foram surgindo e as pessoas gostando do meu trabalho. Tem muita
gente fazendo isso no mundo. Se a gente não chega com respeito, com calma e
soltando nosso cartão de visita aos poucos, as coisas não fluem. Sinto
isso.
EF: Para finalizar, eu gostaria que você falasse sobre como você enfrenta os seus medos. A Avalanche Capixaba é uma onda intimidadora. De onde você tira coragem para encarar situações como essa?
O tamanho das ondas da Avalanche intimida muito e é
um lugar muito difícil de se clicar de dentro d'água por conta das correntes e
condições. Às vezes, consigo ir no jetski (como foi da última vez). Eu sou bem
medrosa, mas acho que todos nós temos medo. O que diferencia é o quanto
deixamos esse medo dominar nossas vontades e ambições e o quanto colocamos
nossa coragem acima. Muitas vezes tenho medo de morrer, mas sei que também
muitas vezes esse sentimento é uma autossabotagem. Falo comigo mesma:
"Cata, não vai te acontecer nada; você não está sozinha caso
aconteça." De qualquer forma, respeito muito o mar e meus limites e acho
isso muito importante. Se não me sinto preparada para uma determinada situação,
eu não vou.
Saiba mais sobre o trabalho dessa fotógrafa incrível em www.anacatarinaphoto.com ou no Insta dela @anacatarinaphoto.